
Se para o filósofo francês Roland Barthes a pornografia “grita” e o erotismo “fere”, para o fotógrafo Helmut Newton a pornografia nos atinge tanto quanto o erotismo nos faz divagar. Foi na Berlim de 1920, cenário da primeira Guerra Mundial, que nasceu o fotógrafo mais controverso que o planeta fashion já ouviu falar.
De família judaica, Helmut Neustaedter – seu nome original - iniciou sua carreira aos 12 anos, com uma câmera Zeiss Box Tengor [as famosas máquinas de caixão, mais baratas e fáceis de manusear], comprada com as suas próprias economias. Em 1936, desestimulado pelo pai mas com a ajuda da mãe, começou a trabalhar como assistente no estúdio de Else Simon, fotógrafa de moda mais conhecida como Yva - mais tarde assassinada pelo nazismo -, com quem aprendeu a arte de fotografar.
Newton cresceu dentro dos campos de concentração de Auschwitz, a fábrica da morte do império nazista. Aos 18 anos, quando não estava mais suportando a pressão da ditadura, parte para Singapura, onde é contratado pelo jornal Straits Times. É demitido após duas semanas de trabalho e tenta ganhar a vida como retratista. No entanto, é deportado sob a justificativa de ter perdido a sua nacionalidade legal.
Em 1940, Helmut Newton muda-se para a Austrália, onde serviu ao exército por demorados cinco anos. Com o fim da guerra, ele consegue retomar ao trabalho de fotógrafo: abre um pequeno estúdio e se joga de vez na fotografia de moda. É também na Austrália que Newton conhece e, posteriormente, se casa com a atriz e fotógrafa Alice Springs, pseudônimo de June Brown, com quem teve um longo e intenso affair. Logo, os dois começam a trabalhar juntos como free-lancers e seus trabalhos passam a ser vistos com freqüência em revistas como Vogue, Playboy e Elle. Nesta época, suas obras ainda eram consideradas tímidas e contidas, se comparadas com as obras que o consagrou.
Anos depois, Helmut muda-se com a esposa para Paris e passa a produzir incessantemente para edições italianas, francesas, americanas e britânicas das revistas Elle, Queen, Playboy e Marie Claire, além de fotografar para a revista Le Jardin des Modes.
Nos anos 1970, Helmut Newton sofre um infarto. Isso fez com que o fotógrafo repensasse a sua trajetória, decidindo que a sua relação com a fotografia não seria mais superficial e, sim, existencial. Assumindo a sua fascinação pelo hedonismo e pela sexualidade, em 1975 Newton abre a primeira exposição de sua obra na Galeria Nikon, em Paris.
Já revelando uma nova faceta de seus retratos, neste mesmo período o fotógrafo assina o famigerado ensaio em que as modelos utilizavam roupas do estilista francês Yves Saint-Laurent. Este ensaio representaria um dos momentos mais enérgicos da imagem feminina, marcada pela frieza de corpos majestosos e esculturais e pelo início da vulgarização da moda.
Em 1976, com o lançamento do "White Women" – seu primeiro trabalho lendário –, Newton abraça a delicada beleza natural do corpo feminino desnudo. Por muitos, é considerada a obra de arte da literatura erótica visual.
Com a ajuda de Alice Springs, sua esposa, em 1999, Helmut Newton edita o livro Sumo, uma exagerada obra contendo 480 páginas, medindo 50 x 70 centímetros e pesando 30 quilos. Lançado em edição limitada de apenas 10 mil exemplares, o livro custava a bagatela de US$ 1.500. A idéia era resgatar o formato dos livros lidos pelos monges na antigüidade.
Em 23 de janeiro de 2004, após sofrer mais um ataque cardíaco, agora enquanto dirigia, Newton bate com sua limusine em plena Hollywood, encerrando o fim do chamado império das escravas do desejo.
Dentro do processo de construção das imagens, as mulheres de Newton são traduzidas em significações múltiplas entre o frisson do desconforto e a excitação gerada pela visão do carnal, do narcisismo e da perversão que simbolizam a visão newtoniana de fotografar. É impossível não sentir um certo incômodo ao observar uma de suas mais famosas fotografias, intitulada Self-Portrait With June and Models, evidenciando um contraste entre o mundo das imagens e o mundo real. De fato, provoca o espectador.
Mesmo com toda a conotação vulgar e pornográfica em torno de seu trabalho, nunca houve constrangimento algum por parte das modelos ao posar para as lentes de Newton. “Eu nunca forçaria ninguém a fazer nada. Eu nunca levo as coisas longe demais. Acho que as pessoas posam para mim de forma tão livre ou porque eu inspiro confiança, ou porque eu sou mais velho do que muitas delas”.
Estar em frente a uma fotografia de Helmut Newton é uma viagem ao universo porn-chic em um determinando tempo e lugar, atestando que o que vemos de fato existiu. Sem dúvida, a decadência incrustada nos elementos utilizados por ele – sadomasoquismo, safismo, ménage a trois, voyeurismo e prostituição - justificam a sua convicção ao afirmar que a vulgaridade é vida, diversão e desejo de reações extremas.
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