
Eu preciso começar esta crítica com uma ressalva honesta: adoro Sofia Coppola. Adorei "As Virgens Suicidas" (1999) e adorei especialmente "Encontros e Desencontros" (2003).
Sim, "Maria Antonieta" conta a história/estória da lendária rainha da França que ficou imortalizada pelos livros como um símbolo de frivolidade que levou a monarquia à decadência e foi decaptada depois da Revolução Francesa.
Mas, como se espera de Sofia, com sua leitura perspicaz da alma feminina, a sua Maria Antonieta é muito compreendida, e revela o lado humano da vida da rainha, suas qualidades e suas dificuldades. Esqueça a História tão quadrada que a crucifica: você vai se sentir solidário a ela.
Ainda que o grande mérito esteja no roteiro e na direção de Sofia, é preciso ser justa com a atuação da atriz Kirsten Dunst (que também atuou em "As Virgens Suicidas"). Kirsten está realmente ótima no papel e dá conta do recado sem decepcionar. Seu carisma, sua beleza e até mesmo a sua fragilidade nos ajudam a entender que Maria Antonieta era apenas uma adolescente (com apenas quatorze anos) quando se casou com o delfim Luís Augusto, que mais tarde se tornou Luís XVI, rei da França, e enfrentou maus bocados desde que deixou para trás seu país natal, a Áustria, e teve de viver longe de suas raízes e de sua família.
Luís XVI tinha notórias dificuldades sexuais e demorou oito anos até que seu casamento fosse consumado e Maria Antonieta pudesse dar a luz à sua primeira filha. Durante esses anos todos, Maria Antonieta foi vítima de todo tipo de pressão tanto do reino francês como do reino austríaco, assim como do julgamento implacável de todos que a cercavam: acusavam-na de frígida e de estéril e atribuíam a ela os problemas sexuais do rei.
A vida em Versalhes era muito luxuosa, mas também muito rígida, e a solidão que Maria Antonieta experimentou em meio a cerca de quatro mil pessoas (que viviam no palácio na época) é sufocante para os espectadores em muitos momentos. Jovem, linda, cheia de vida, adorava artes e festas, diferentemente de seu marido, que preferia caçar e era um tanto mais caseiro. Ainda assim, a convivência entre ambos parecia ser de amizade e respeito.
Com o tempo, Maria Antonieta cercou-se de amigas nem sempre bem vistas pela nobreza nem pelo povo francês. Com a construção do Petit Trianon em Versalhes, acabou preferindo a privacidade e a liberdade de viver em um espaço menor e sem tantas pompas do que no grande palácio. Teve uma vida alegre e simples. Gostava de viver no jardim, de ópera, e embora apreciasse moda e tivesse uma queda por sapatos (fiquem atentos para a referência do all star, deliciosa brincadeira de Sofia), também era capaz de viver feliz com mais simplicidade.
A edição do filme é interessante, a fotografia é um must, a trilha sonora é improvável e, com certeza, contribui imensamente para o tom cool de "Maria Antonieta".
O figurino é tão deslumbrante que o Oscar não teria outra opção se não premiá-lo com toda justiça, como de fato ocorreu. A direção de arte merece destaque e as cenas filmadas em Versalhes são uma viagem ao tempo. Um banquete visual completo. O baile em comemoração ao casamento de Luís e Maria Antonieta foi realmente gravado no famoso Salão dos Espelhos, fechado ao público para restauração. E os jardins de Versalhes são um espetáculo à parte...
Toda a beleza do lugar é ostentada no filme, todos os excessos preenchem a tela: as roupas, as jóias, os penteados, a alta gastronomia, as festas e as bebidas. A exuberância do modo de vida de Versalhes é ofuscante e as cores que saltam da tela, o cor de rosa das roupas de Maria Antonieta, o dourado da decoração do palácio, o vermelho das frutas, o branco da sua pele, tudo é muito intenso. Nada em "Maria Antonieta" é morno, apenas a relação entre Rei e Rainha.
Mas, em contraste ao brilho de Versalhes, está a angústia interior de Maria Antonieta, o vazio que a assombra, e que nos é apresentado de maneira suave, sem alardes. Se tudo é explícito demais quanto à forma, Sofia faz questão de opor seu enfoque do conteúdo, abordado com sutileza, embora profundamente. E aqui, a diretora acerta novamente ao não mastigar seus argumentos, em não exagerar nos diálogos didáticos e em economizar no panfletarismo óbvio..
Claro que o filme é partidário. É uma visão um tanto mais simpática e suave do que a que tradicionalmente conhecemos de Maria Antonieta. Mas, até por isso, muito mais rica, porque muito mais humana, sem radicalismos que nos afastam da verdade.
A historiadora Evelyne Lever foi consultora técnica de Sofia, que adquiriu os direitos para "Maria Antonieta" em 2000, e se baseou na biografia de Antonia Fraser.
O elenco como um todo está muito bem: Jason Schwartzman (do ótimo "A Garota da Vitrine", 2005) convence como o apático Luís XVI. Rose Byrne representa equilibradamente a Duquesa de Polignac, amiga inseparável de Maria Antonieta. Asia Argento vive a polêmica Madame du Barry, Rip Torn é o Rei Luís XV e Steve Coogan, o Embaixador Mercy. Ainda, Judy Davis interpreta com a competência habitual a Condessa de Noialles.
Alguns criticaram as elipses de tempo em "Maria Antonieta". Eu as achei muito mais apropriadas do que se o filme tivesse a pretensão de narrar todos os episódios vividos pela rainha. Sofia nos poupa até mesmo de um final desnecessariamente sensacionalista, embora continue dramático. Ela tem uma noção exata de até onde deve ir para não comprometer sua proposta. Por esta razão, eu a admiro ainda mais.
Eu realmente adorei "Maria Antonieta" em cada detalhe e acho sinceramente que quem considera que Sofia esteve tão atenta à estética que se esqueceu do conteúdo, na verdade, não compreendeu a alma do filme. É de propósito que o primeiro é explicíto e o segundo é discreto. Afinal, como disse a Condessa de Noialles em certo momento: "This, madam, is Versaille".
Com seu breve e denso currículo, a filha de Francis Ford Coppola esbanja talento genuíno e mostra que, embora tenha um traço comum por toda sua obra - seu olhar sensível, sua postura crítica diante do óbvio e sua refinada alma cinematográfica - é capaz de transitar em universos muito diferentes com a mesma competência: do subúrbio norte-americano dos anos 70 em seu primeiro longa para o cenário ultra-moderno de Tóquio no segundo, e agora uma biografia polêmica, com toda a pompa que um grande filme de época tem direito, mas sob um ângulo completamente inovador.
Sim, "Maria Antonieta" conta a história/estória da lendária rainha da França que ficou imortalizada pelos livros como um símbolo de frivolidade que levou a monarquia à decadência e foi decaptada depois da Revolução Francesa.
Mas, como se espera de Sofia, com sua leitura perspicaz da alma feminina, a sua Maria Antonieta é muito compreendida, e revela o lado humano da vida da rainha, suas qualidades e suas dificuldades. Esqueça a História tão quadrada que a crucifica: você vai se sentir solidário a ela.
Ainda que o grande mérito esteja no roteiro e na direção de Sofia, é preciso ser justa com a atuação da atriz Kirsten Dunst (que também atuou em "As Virgens Suicidas"). Kirsten está realmente ótima no papel e dá conta do recado sem decepcionar. Seu carisma, sua beleza e até mesmo a sua fragilidade nos ajudam a entender que Maria Antonieta era apenas uma adolescente (com apenas quatorze anos) quando se casou com o delfim Luís Augusto, que mais tarde se tornou Luís XVI, rei da França, e enfrentou maus bocados desde que deixou para trás seu país natal, a Áustria, e teve de viver longe de suas raízes e de sua família.
Luís XVI tinha notórias dificuldades sexuais e demorou oito anos até que seu casamento fosse consumado e Maria Antonieta pudesse dar a luz à sua primeira filha. Durante esses anos todos, Maria Antonieta foi vítima de todo tipo de pressão tanto do reino francês como do reino austríaco, assim como do julgamento implacável de todos que a cercavam: acusavam-na de frígida e de estéril e atribuíam a ela os problemas sexuais do rei.
A vida em Versalhes era muito luxuosa, mas também muito rígida, e a solidão que Maria Antonieta experimentou em meio a cerca de quatro mil pessoas (que viviam no palácio na época) é sufocante para os espectadores em muitos momentos. Jovem, linda, cheia de vida, adorava artes e festas, diferentemente de seu marido, que preferia caçar e era um tanto mais caseiro. Ainda assim, a convivência entre ambos parecia ser de amizade e respeito.
Com o tempo, Maria Antonieta cercou-se de amigas nem sempre bem vistas pela nobreza nem pelo povo francês. Com a construção do Petit Trianon em Versalhes, acabou preferindo a privacidade e a liberdade de viver em um espaço menor e sem tantas pompas do que no grande palácio. Teve uma vida alegre e simples. Gostava de viver no jardim, de ópera, e embora apreciasse moda e tivesse uma queda por sapatos (fiquem atentos para a referência do all star, deliciosa brincadeira de Sofia), também era capaz de viver feliz com mais simplicidade.
A edição do filme é interessante, a fotografia é um must, a trilha sonora é improvável e, com certeza, contribui imensamente para o tom cool de "Maria Antonieta".
O figurino é tão deslumbrante que o Oscar não teria outra opção se não premiá-lo com toda justiça, como de fato ocorreu. A direção de arte merece destaque e as cenas filmadas em Versalhes são uma viagem ao tempo. Um banquete visual completo. O baile em comemoração ao casamento de Luís e Maria Antonieta foi realmente gravado no famoso Salão dos Espelhos, fechado ao público para restauração. E os jardins de Versalhes são um espetáculo à parte...
Toda a beleza do lugar é ostentada no filme, todos os excessos preenchem a tela: as roupas, as jóias, os penteados, a alta gastronomia, as festas e as bebidas. A exuberância do modo de vida de Versalhes é ofuscante e as cores que saltam da tela, o cor de rosa das roupas de Maria Antonieta, o dourado da decoração do palácio, o vermelho das frutas, o branco da sua pele, tudo é muito intenso. Nada em "Maria Antonieta" é morno, apenas a relação entre Rei e Rainha.
Mas, em contraste ao brilho de Versalhes, está a angústia interior de Maria Antonieta, o vazio que a assombra, e que nos é apresentado de maneira suave, sem alardes. Se tudo é explícito demais quanto à forma, Sofia faz questão de opor seu enfoque do conteúdo, abordado com sutileza, embora profundamente. E aqui, a diretora acerta novamente ao não mastigar seus argumentos, em não exagerar nos diálogos didáticos e em economizar no panfletarismo óbvio..
Claro que o filme é partidário. É uma visão um tanto mais simpática e suave do que a que tradicionalmente conhecemos de Maria Antonieta. Mas, até por isso, muito mais rica, porque muito mais humana, sem radicalismos que nos afastam da verdade.
A historiadora Evelyne Lever foi consultora técnica de Sofia, que adquiriu os direitos para "Maria Antonieta" em 2000, e se baseou na biografia de Antonia Fraser.
O elenco como um todo está muito bem: Jason Schwartzman (do ótimo "A Garota da Vitrine", 2005) convence como o apático Luís XVI. Rose Byrne representa equilibradamente a Duquesa de Polignac, amiga inseparável de Maria Antonieta. Asia Argento vive a polêmica Madame du Barry, Rip Torn é o Rei Luís XV e Steve Coogan, o Embaixador Mercy. Ainda, Judy Davis interpreta com a competência habitual a Condessa de Noialles.
Alguns criticaram as elipses de tempo em "Maria Antonieta". Eu as achei muito mais apropriadas do que se o filme tivesse a pretensão de narrar todos os episódios vividos pela rainha. Sofia nos poupa até mesmo de um final desnecessariamente sensacionalista, embora continue dramático. Ela tem uma noção exata de até onde deve ir para não comprometer sua proposta. Por esta razão, eu a admiro ainda mais.
Eu realmente adorei "Maria Antonieta" em cada detalhe e acho sinceramente que quem considera que Sofia esteve tão atenta à estética que se esqueceu do conteúdo, na verdade, não compreendeu a alma do filme. É de propósito que o primeiro é explicíto e o segundo é discreto. Afinal, como disse a Condessa de Noialles em certo momento: "This, madam, is Versaille".
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